quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O Modernismo: Heresia Suprema e Síntese de Todos os Erros


O Modernismo


Nesse texto me aprofundo brevemente em alguns aspectos da heresia modernista – que tanto mal fez e tem feito principalmente nos dias de hoje arrastando uma multidão de ludibriados até a apostasia silenciosa da fé católica – conforme assinalados pelo Vaticano I, São Pio X, Pio XII bem como as características fundamentais do herege modernista de acordo com o Magistério da Igreja. No entanto tenhamos sempre em vista que o modernismo pode se diversificar acidentalmente em diversas outras modalidades e até sob uma capa de aparente ortodoxia. É um erro que pode assumir expressões muito sutis, mas a todo momento com consequências devastadoras. É uma heresia capaz de causar uma verdadeira entropia da Profissão de Fé. Requer-se um exame cuidadoso da substância do modernismo conforme apresentada nas Encíclicas para se chegar a conclusão se realmente determinados comportamentos e teorias em voga têm fulcro modernista ou não.



 1) O modernista crente

No crente o modernismo se manifesta com sinais de negação pratica da existência de uma religião objetivamente revelada por Deus, pois este acredita candidamente que a religião é objeto dos sentimentos ou da experiência individual. É forçoso para a razão admitir que a existência de apenas uma religião verdadeira tornaria qualquer pretensa experiência individual com o divino que contrariasse a Revelação totalmente nula de mérito na ordem sobrenatural. O modernista crente possui a tendencia de não sustentar tal postulado da razão ou relativizar este sutilmente, mas sempre apresentando como sequela alguma espécie de indiferentismo em relação a veracidade e unicidade da verdadeira religião, isto é, a Religião Católica – tal afetação tem efeitos deletérios no campo da fé católica. Para o modernista o sentimento religioso teria primado sobre a razão e consequentemente sobre as obrigações que a existência de uma religião objetivamente verdadeira demandariam. Isso não atinge somente a integridade da fé do modernista, mas mesmo o desempenho do modernista, dito católico, quanto das obrigações que lhe confiou a autoridade de Deus e da Igreja. É corriqueiro que o modernista desobedeça a autoridade divina e eclesiástica - naquilo que é de direito da autoridade exigir como as disciplinas e mesmo no que diz respeito a adesão apropriada a reta doutrina proposta pelo Magistério - sob o argumento de semelhante justificativa interior sentimentalista.

O Vaticano I condena esse erro anatemizando seus propugnadores: 

Se alguém disser que a revelação divina não pode tornar-se mais compreensível por meio de sinais externos, e que portanto os homens devem ser motivados à fé só, pela experiência interna individual ou por inspiração privada – seja excomungado

São Pio X falando sobre esse erro:  

Eis como eles [os modernistas crentes] o declaram: no sentimento religioso deve reconhecer-se uma espécie de intuição do coração, que pôs o homem em contato imediato com a própria realidade de Deus e lhe infunde tal persuasão da existência dele e da sua ação, tanto dentro como fora do homem, que excede a força de qualquer persuasão, que a ciência possa adquirir. Afirmam, portanto, uma verdadeira experiência, capaz de vencer qualquer experiência racional; e se esta for negada por alguém, como pelos racionalistas, dizem que isto sucede porque estes não querem pôr-se nas condições morais que são necessárias para consegui-la. Ora, tal experiência é a que faz própria e verdadeiramente crente a todo aquele que a conseguir. Quanto vai dessa à doutrina católica! Já vimos essas idéias condenadas pelo Concílio Vaticano I. Veremos ainda como, com semelhantes teorias, unidos a outros erros já mencionados, se abre caminho para o ateísmo. - São Pio X, Pascendi Dominici Gregis

Contudo há mais. O modernista crente afirma que Deus é somente objeto da fé – “fé" sentimentalista no caso – e não objeto da razão natural. Negam assim não somente os deveres para com a religião revelada, mas até a possibilidade de conhecer - dentro de certos aspectos – a existência do Criador por meio da razão natural. Contrariando explicitamente o Concílio Vaticano I: 

A mesma Santa Igreja crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas; pois as perfeições invisíveis tornaram-se visíveis depois da criação do mundo, pelo conhecimento que as suas obras nos dão dele [Rom 1,20]; mas que aprouve à sua misericórdia e bondade revelar-se a si e os eternos decretos da sua vontade ao gênero humano por outra via, e esta sobrenatural, conforme testemunha o Apóstolo: Havendo Deus outrora falado aos pais pelos profetas, muitas vezes e de muitos modos, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho [Heb 1,1 s; cân. 1]. - Concílio Vaticano I, Denzinger 1785

Por sua própria natureza é evidente que essa heresia quando semeada sob aparência de um discurso falsamente misericordioso ou professada de boa fé e então espalhada no âmbito da generalidade dos fieis tem como a efeito a gradual destruição da fé católica na alma dos cristãos, indiferentismo religioso e a implosão da autoridade da Igreja.

Atualíssimas são as palavras de São Pio X a respeito:

Que recursos deixam eles de empregar para angariar sectários? Procuram conseguir cátedras nos seminários e nas Universidades, para tornarem-se insensivelmente cadeiras de pestilência. Inculcam as suas doutrinas, talvez disfarçadamente, pregando nas igrejas; expõem-nas mais claramente nos congressos; introduzem e exaltam-nas nos institutos sociais sob o próprio nome ou sob o de outrem; publicam livros, jornais, periódicos. Às vezes um mesmo escritor se serve de diversos nomes, para enganar os incautos, simulando grande número de autores. Numa palavra, pela ação, pela palavra, pela imprensa, tudo experimentam, de modo as parecerem agitados por uma violenta febre. Que resultado terão eles alcançado? Infelizmente lamentamos a perda de grande número de moços, que davam ótimas esperanças de poderem um dia prestar relevantes serviços à Igreja, atualmente fora do bom caminho. - Pascendi

2) O modernista filosofo

O modernista filosofo afirma que a razão humana não tem capacidade de transpor o fundamento da realidade tal qual ela se apresenta por meio dos fenômenos. O objeto da razão natural seria somente o fenômeno na forma que os sentidos e a ciência empírica podem investigar. Portanto para o modernista crente quanto para o filosofo seria impossível para razão elevar-se até a existência de Deus por meio da consideração dos entes criados e mesmo conhecer a essência metafísica dos entes. Para o modernista filosofo é irrelevante - e mesmo errônea – a investigação e analise dos fatos morais e históricos sob o escopo da intervenção de Deus na ordem criada. Não sustentam que exista qualquer lei natural tendo Deus como fundamento. São nefastas as consequências de teses análogas no âmbito da fé católica e mesmo fora do redil de Cristo – prova é a degeneração moral da sociedade ocidental, o ateísmo militante e o indiferentismo religioso crescente que abisma a Igreja mesmo nos dias de hoje. 

Conforme condenou o Concílio Vaticano I: 

Cân.1 – Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, Criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas – seja excomungado

Cân. 2 – Se alguém afirmar ser impossível ou ao menos inconveniente que o homem seja instruído por revelação divina sobre Deus e o culto a ele devido – seja excomungado 

Destarte rejeitam a estima que a Igreja nutre pela chamada filosofia natural e por determinados princípios da filosofia escolástica que foram aprovados e incorporados pelo Magistério como se tudo isso fora fruto de um intelectualismo estéril e ultrapassado. Incidem assim em grandes reprovações por parte do Magistério.

Mas a razão somente poderá exercer tal oficio de modo apto e seguro se tiver sido cultivada convenientemente, isto é, se houver sido nutrida com aquela sã filosofia, que é já como que um patrimônio herdado das precedentes gerações cristãs e que por conseguinte goza de uma autoridade de ordem superior, porquanto o próprio Magistério da Igreja utilizou os seus princípios e os seus fundamentais assertos, manifestados e definidos lentamente por homens de grande talento, para comprovar a mesma revelação divina. Essa filosofia, reconhecida e aceita pela Igreja, defende o verdadeiro e reto valor do conhecimento humano, os inconcussos princípios metafísicos, a saber, os da razão suficiente, causalidade e finalidade, e a posse da verdade certa e imutável. (...) E, pois, altamente deplorável que hoje em dia desprezem alguns a filosofia que a Igreja aceitou e aprovou, e que, imprudentemente, a tachem de antiquada em suas formas e racionalística, como dizem, em seus processos. Pois afirmam que essa nossa filosofa defende erroneamente a possibilidade de uma metafísica absolutamente verdadeira, ao passo que eles sustentam, contrariamente, que as verdades, principalmente as transcendentes, só podem ser expressas por doutrinas divergentes que mutuamente se completam, embora pareçam opor-se entre si. Pelo que, concedem que a filosofia ensinada em nossas escolas, com a lúcida exposição e solução dos problemas, com a exata precisão de conceitos e com as claras distinções, pode ser conveniente preparação ao estudo da teologia, como de fato o foi adaptando-se perfeitamente à mentalidade medieval; crêem, porém, que não é o método que corresponde à cultura e às necessidades modernas. Acrescentam, ainda, que a filosofia perene é só a filosofia das essências imutáveis, enquanto a mente moderna deve considerar a "existência" de cada um dos seres e a vida em sua fluência contínua. E, ao desprezarem esta filosofia, enaltecem outras, antigas ou modernas, orientais ou ocidentais, de forma tal a parecer insinuar que toda filosofia ou doutrina opinável, com o acréscimo de algumas correções ou complementos, se for necessário, harmonizar-se-á com o dogma católico; o que nenhum fiel pode duvidar seja de todo falso, principalmente quando se trata dos errôneos sistemas chamados imanentismo, ou idealismo, ou materialismo, seja histórico, seja dialético, ou também existencialismo, tanto no caso de defender o ateísmo, quanto no de impugnar o valor do raciocínio metafísico. Pio XII, Humani Generis


Como consequência da negação da razão natural e da sã filosofia muitos católicos que abraçaram a heresia modernista acabam por cair numa espécie de agnosticismo dito "religioso" e mesmo no ateísmo puro e simples.

De que modo porém os modernistas passam do agnosticismo, que é puro estado de ignorância, para o ateísmo científico e histórico que, ao contrário, é estado de positiva negação, e por isso, com que lógica, do não saber se Deus interveio ou não na história do gênero humano, passam a tudo explicar na mesma história, pondo Deus de parte, como se na realidade não tivesse intervindo, quem o souber que o explique. Há entretanto para eles uma coisa fixa e determinada, que é o dever ser atéia a ciência a par da história, em cujas raias não haja lugar senão para os fenômenos, repelido de uma vez, Deus e tudo o que é divino. - Pascendi

Com a religião posta de lado e a filosofia enfraquecida em seus fundamentos o modernista filosofo tenta buscar no próprio homem a "justificativa" e "finalidade" da história e do dito "fenômeno religioso". Ou seja é próprio de qualquer modernista substituir Deus e a realidade pelo homem e pela sociedade humana – numa adoração antropocêntrica da humanidade – enquanto princípio imanente de sua "verdade" mesma.

Ora, destruída a teologia natural, impedido o acesso à revelação ao rejeitar os motivos de credibilidade, é claro que se não pode procurar fora do homem essa explicação. Deve-se, pois, procurar no mesmo homem; e visto que a religião não é de fato senão uma forma da vida, a sua explicação se deve achar mesmo na vida do homem. Daqui procede o princípio da imanência religiosa. Demais, a primeira moção, por assim dizer, de todo fenômeno vital, deve sempre ser atribuída a uma necessidade; os primórdios, porém, falando mais especialmente da vida, devem ser atribuídos a um movimento do coração, que se chama sentimento. Por conseguinte, como o objeto da religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de toda a religião, se deve fundar em um sentimento, nascido da necessidade da divindade. - Pascendi

3) O modernista teólogo 

O modernista teólogo dentro da Igreja deixa um rastro de destruição muito maior do que o de seus pares supracitados. Assim como o modernista crente e filosofo este acredita no primado da experiência pessoal e do princípio imanente respectivamente como pedras de toque para a investigação do dito fenômeno religioso, contudo adiciona algo que lhe é mais peculiar do que aos outros dois: o primado do símbolo. Acredita o modernista teólogo que os dogmas e as doutrinas consideradas em seus conteúdos conforme foram propostas pela Igreja são meros símbolos que carregam, as vezes muito imperfeitamente, um significado qualquer – quase sempre imanente no homem – e que por isso os fiéis não devem se apegar muito a dita formula proposta pelo Magistério, mas utilizar a formula como mero instrumento de acesso a uma verdade absoluta - que decorre do homem - mas cujo conteúdo ainda não obtivemos acesso. 

Os dogmas nasceriam então da mera necessidade do crente de elaborar uma formula que satisfaça melhor os anseios religiosos do homem e atenda seu "vício" de racionalizar. Eles ignoram toda a história dos dogmas e o fato de ter acontecido sem sombra de dúvida uma Revelação de Deus aos homens. Dessa forma os dogmas não se desenvolveriam em compreensão – contudo mantendo o mesmo significado literal – mas verdadeiramente evoluiriam, se transmutando, se necessário na negação - pela via direta ou indireta - daquilo que fora dito anteriormente.

Diz o modernista teólogo que é próprio da ciência teológica refletir sobre a religião superando e agindo muitas vezes aquém dos dogmas e doutrinas propostas pelo Magistério, pois, não se faria teologia com semelhantes freios. 

Desgraçadamente, esses amigos de novidades facilmente passam do desprezo da teologia escolástica ao pouco caso e até mesmo ao desprezo do próprio magistério da Igreja, que tanto prestígio tem dado com a sua autoridade àquela teologia. Apresentam este magistério como empecilho ao progresso e obstáculo à ciência; e já existem acatólicos que o consideram como freio injusto, que impede alguns teólogos mais cultos de renovar a teologia. Embora este sagrado magistério, em questões de fé e moral, deva ser para todo teólogo a norma próxima e universal da verdade (visto que a ele confiou nosso Senhor Jesus Cristo a guarda, a defesa e a interpretação do depósito da fé, ou seja, das Sagradas Escrituras e da Tradição divina), contudo, por vezes se ignora, como se não existisse, a obrigação que têm todos os fiéis de fugir mesmo daqueles erros que se aproximam mais ou menos da heresia e, portanto, de observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões. Alguns há que de propósito desconhecem tudo quanto os sumos pontífices expuseram nas encíclicas sobre o caráter e a constituição da Igreja, a fim de fazer prevalecer um conceito vago, que eles professam e dizem ter tirado dos antigos Padres, principalmente dos gregos. (...) é verdade que os romanos pontífices em geral concedem liberdade aos teólogos nas questões controvertidas entre os mais acreditados doutores; porém, a história ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre discussão já não podem ser discutidas. (...) Pois, junto com as sagradas fontes, Deus deu à sua Igreja o magistério vivo para esclarecer também e salientar o que no depósito da fé não se acha senão obscura e como que implicitamente. E o divino Redentor não confiou a interpretação autêntica desse depósito a cada um dos fiéis, nem mesmo aos teólogos, mas exclusivamente ao magistério da Igreja. Se a Igreja exerce esse múnus (como o tem feito com freqüência no decurso dos séculos pelo exercício, quer ordinário, quer extraordinário desse mesmo ofício), é evidentemente falso o método que pretende explicar o claro pelo obscuro; antes, pelo contrário, faz-se mister que todos sigam a ordem inversa. Eis porque nosso predecessor de imortal memória, Pio IX, ao ensinar que é dever nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja está contida nas fontes, não sem grave motivo acrescentou aquelas palavras; "com o mesmo sentido com o qual foi definida pela Igreja". - Pio XII, Humani Generis

O mesmo Pio XII lista algumas heresias - lista não exaustiva - que os modernistas podem professar no campo teológico.

E não há que admirar terem essas novidades produzido frutos venenosos em quase todos os capítulos da teologia. Põe-se em dúvida que a razão humana, sem o auxílio da divina revelação e da graça divina, possa demonstrar a existência de Deus pessoal, com argumentos tirados das coisas criadas; nega-se que o mundo tenha tido princípio e afirma-se que a criação do mundo é necessária, pois procede da necessária liberalidade do amor divino; nega-se também a Deus a presciência eterna e infalível das ações livres dos homens; opiniões de todo contrárias às declarações do concílio Vaticano. Alguns também põem em discussão se os anjos são pessoas; e se a matéria difere essencialmente do espírito. Outros desvirtuam o conceito de gratuidade da ordem sobrenatural, sustentando que Deus não pode criar seres inteligentes sem ordená-los e chamá-los à visão beatífica. E não só isso, mas, ainda, passando por cima das definições do concílio de Trento, destrói-se o conceito de pecado original juntamente com o de pecado em geral, como ofensa a Deus, e também o da satisfação que Cristo ofereceu por nós. Nem faltam os que defendem que a doutrina da transubstanciação, baseada como está num conceito filosófico já antiquado de substância, deve ser corrigida; de maneira que a presença real de Cristo na santíssima eucaristia se reduza a um simbolismo, no qual as espécies consagradas não são mais do que sinais externos da presença espiritual de Cristo e de sua união íntima com os féis, membros seus no corpo místico. Alguns não se consideram obrigados a abraçar a doutrina que há poucos anos expusemos numa encíclica e que está fundamentada nas fontes da revelação, segundo a qual o corpo místico de Cristo e a Igreja católica romana são uma mesma coisa.Outros reduzem a uma fórmula vã a necessidade de pertencer à Igreja verdadeira para conseguir a salvação eterna. E outros, malmente, não admitem o caráter racional da credibilidade da fé cristã. - Humani Generis

O proceder do modernismo não só significa o completo desprezo a verdadeira ciência teológica como desprezo evidente a origem divina da Igreja. 

Pressupõem que ela [a Igreja ] é fruto de uma dupla necessidade, uma no crente, principalmente naquele que, tendo tido alguma experiência original e singular, precisa comunicar a outrem a própria fé; outra na coletividade, depois que a fé se tornou comum a muitos, para se reunir em sociedade, e conservar, dilatar e propagar o bem comum. Que é, pois, a Igreja? É um parto da consciência coletiva, isto é, da coletividade das consciências individuais que, por virtude da permanência vital, estão todas pendentes do primeiro crente, que para os católicos foi Cristo. Ora, toda sociedade precisa de uma autoridade que a reja, e cujo mister seja dirigir os membros para o fim comum e conservar com prudência os elementos de coesão, que em uma sociedade religiosa são a doutrina e o culto. Há, por isso, na Igreja Católica uma tríplice autoridade: disciplinar, dogmática e cultural. A natureza desta autoridade deve ser deduzida da sua origem; e da natureza, por sua vez, devem coligir-se os direitos e os deveres. Foi erro das eras passadas pensar-se que a autoridade da Igreja emanou de um princípio estranho, isto é, imediatamente de Deus; e por isto, com razão era ela considerada autocrática. Estas teorias, porém, já não são para os tempos que correm. - Pascendi

O modernista teólogo, um pouco mais "crente", não difere muito das assertivas do seus pares mais céticos, mas nega –  com matizes e formas várias –  que a Igreja Católica Apostólica Romana tenha origem direta de Jesus Cristo, sustentando, com mais ou menos certeza, que a Igreja é fruto posterior da crença em Jesus e que assim, ela e as seitas ditas cristãs, são igualmente legitimas ou que existam diversos graus de legitimidade – umas se aproximariam mais do ideal de Cristo do que outras. O modernista considera completamente irrelevante o dogma que afirma que a Igreja Católica é exclusivamente a unica Igreja de Cristo. Portanto o ato de fé do católico quando adere a doutrina revelada tem tanto valor intrínseco ou não se distancia tanto em natureza do ato daquele que, com culpa - isto é não está em ignorância invencível sobre a verdadeira Religião - adere as formas deturpadas do Cristianismo. O teólogo modernista geralmente é advogado de uma união irenista de todas as Igrejas ditas cristãs e não propriamente de um retorno dos cristãos separados ao redil da verdadeira Igreja - embora a diferença pareça sútil os dois conceitos são essencialmente diversos.

Para concluir o modernista teólogo sustenta, ainda que de diferentes modos, formas de expressão e graus diversos, que os sacramentos são meros símbolos sem eficácia real, que somente representam de maneira humana um ideal e apontam para algo que lhes transcende absolutamente em essência, v.g, representam uma realidade, ou seja, não existe verdadeira eficácia divina agindo nos Sacramentos, como a doutrina lhe atribuiu, e que o sacramento não teria função de tornar a mesma integral e eficazmente presente – como a Presença Real na Eucaristia. Em consequência disso é comum o modernista teólogo relativizar – ou pouco crer – que determinadas ações podem significar pecados objetivos contra os Sacramentos e consequentemente podem constituir ofensas a Deus. Dizem eles que essa mera "possibilidade" de significação - como se existisse alguma - justificaria nossa falta de capacidade de julgar a licitude ou imoralidade do ato de dar comunhão para não católicos ou para pessoas em evidente estado de oposição a realidade sacramental – que é da ordem da graça - que devemos suspender nosso julgamento pessoal e deixar que Deus julgue – para aqueles que "acreditam" que exista um Deus. Nisso vemos uma combinação do antropoteísmo outrora citado: a religião, como fenômeno pura e simplesmente de origem humana - não teria sido revelada imediatamente e diretamente por Deus -, existe somente por capricho humano, e assim, o homem pode modificar seus fundamentos para melhor se adequar as suas necessidades sentimentais, sua experiência. Se os modernistas abominam atos mais grotescos de sacrilégio contra os Sacramentos – como por exemplo de outros grupos que professam um satanismo mais evidenciado – isso se dá pois não aceitam o ataque àquilo que creem estar significado ali, mas não nos enganemos, eles não acreditam com fé divina e católica que Cristo se faça presente verdadeiramente na Eucaristia.

Do culto não haveria muito que dizer, se debaixo deste nome não se achassem também os Sacramentos, a respeito dos quais muito erram os modernistas. Pretendem que o culto resulta de um duplo impulso; pois que, como vimos, pelo seu sistema, tudo se deve atribuir a íntimos impulsos. O primeiro é dar à religião, alguma coisa de sensível; o segundo é a necessidade de propagá-la, coisa esta que se não poderia realizar sem uma certa forma sensível e sem atos santificantes, que se chamam Sacramentos. Os modernistas, porém, consideram os Sacramentos como meros símbolos ou sinais, bem que não destituídos de eficácia. E para indicar essa eficácia, servem-lhes de exemplo certas palavras que facilmente vingam, por terem conseguido a força de divulgar certas idéias de grande eficácia, que muito impressionam os ânimos. E assim como aquelas palavras são destinadas a despertar as referidas idéias, assim também o são os Sacramentos com relação ao sentimento religioso; nada mais do que isto. Falariam mais claro afirmando logo que os Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé. Mas esta proposição é condenada pelo Concílio de Trento (Sess. VII, de Sacramentis in genere, cân.5): "Se alguém disser que estes Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé, seja anátema". - Pascendi


Diante do exposto é compreensível que modernistas quando são pressionados pela Verdade, mesmo aqueles que o são de boa fé – sejam eles progressistas ou não – recorram a o artifício meramente erístico e sem substância alguma de adjetivar de fundamentalistas os católicos que sustentam uma fé reta em conformidade com todo o Magistério e com os Concílios Ecumênicos. Quando recorrem a isso revelam a natureza da heresia que professam. Eles não acreditam que exista Verdade no âmbito religioso, e, por vezes, em muitos outros, por conseguinte não suportam, simplesmente não conseguem tolerar, quando alguém se posiciona em favor da Verdade. O modernismo não tem nenhum fundamento racional e despreza o uso da razão para determinar se tal religião ou ato religioso é verdadeiro, legítimo ou ilegítimo. Mesmo o modernista que afirma aderir a fé católica e acreditar em Deus caso reflita interiormente perceberá que o deus do modernista, aquele que fundamenta em última instância todas suas assertivas e que é o fiel da balança da sua atividade religiosa, filosófica e teológica não é o Altíssimo e os preceitos dados por Sua Religião, mas não outro senão ele mesmo e a humanidade. Os "dogmas" dos modernistas são o que eles sentem, acham e necessitam. 

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